#LANGUIDEZ INTERMITENTE



O apartamento está todo fechado. Persianas encolhidas, janelas e portas também. Há naquele ambiente um ser enclausurado, inanimado por uma desilusão latente. O clima está inebriado e escuro, a não ser pela pequena luz do som portátil plugado numa caixa maior. Um dó maior, sem dó, entoa nos seus ouvidos, dilacera suas vísceras e desalinha o bulbo. Ele transpira, ofegante, todo o álcool que outrora o fez perder-se no tempo (que o tortura a cada tic-tac do relógio e berra intensamente no seu ego), e sem cerimônia desabada da poltrona, onde estava acocorado. Ele chora tolamente como um recém parido e grita junto ao som alto. É um grito de dor. Faz menção à Deus, tenta ajoelhar-se e cai novamente. A música é a única testemunha de toda a sofreguidão que ele passa. O desespero é o seu melhor amigo e o álcool seu único companheiro. Ele está desviscerado, seu corpo todo dói. Ele encolhe-se o quanto pode, não há mais lágrimas, só há dor. Rola-se pela lajota fria aos uivos do cantor, que não pára de cantar. Ele percebe, enfim, que quem está lhe causando essa dor é o cantor, a música e a melodia. A dor em seu abdômen aumenta e o seu cérebro está prestes a extirpar de sua cabeça. O seu rosto, completamente desfigurado por uma expressão de dor e tragédia, lhe remete ao mesmo tempo uma expressão de luta e desistência. Não há mais por que lutar. Morrer-se-ía ali, no chão daquele inóspito lugar no qual nem a mais infame das baratas pisaria. Estava fadado a isso, conformou-se. Pois então, inesperadamente o refrão da canção lhe volta aos ouvidos, e ele percebe que o som não havia sido desligado por si só e que aquela música queria matá-lo. Volta então a ter lembranças de meses atrás, e toda a dor que quase cessou retorna. Porém, de forma peculiar. Ele abre um sorriso sagaz e como um peixe fora d’água desliza seu corpo suado na lajota, alternando o contato com a superfície, vezes o peitoral, vezes as coxas. Chega perto do aparelho, que por sua vez aumenta a intensidade da música em dez vezes mais ao ver seu inimigo aproximando-se, e, então, com extrema dificuldade de um deficiente físico, ele consegue estapear o aparelho, que despluga-se, e deixa tudo, em frações de um segundo, num silêncio mórbido, na maior morbidez que um silêncio pode ter. Fecha os olhos e por fim, deitado no chão de sua sala, que já não é mais tão inóspita assim, morre.

0 comentários:

Postar um comentário

Comente, opine, concorde ou discorde.

About me

Minha foto
"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura." (Charles Bukowski)