#CARTA DE UMA BELA ÉPOCA



Minha Amabilíssima Ana,

Primeiramente desculpe-me pela demasiada demora em lhe corresponder. Acontece que realmente não estou tendo tempo para tanto, mas no meio a tanto alvoroço com minhas pesquisas estou aqui lhe mandando notícias. Sei que estás ansiosa e, antes de mais nada, quero que saibas que estou ótimo de saúde, a não ser pela desventura que me ocorreu ao provar as comidas típicas da região na semana passada. Acho que passei dos limites, estava com tanta fome, porém agora lhe contarei as minhas primeiras impressões da cidade de Belém do Grão-Pará.
Ao desembarcar no porto do Ver-o-Peso confesso-te que eu estava demasiado fatigado, mas não pude deixar de prestar atenção nos prédios azulejados que essa cidade tem, são azulejos portugueses da melhor qualidade. As ruas estreitas me deixam a impressão de que a cidade ainda crescerá muito, o calor e a umidade são sobre-humanas, e mesmo assim as mulheres cismaram em usar trajes voluptuosos, é a Belle Èpoque aqui no norte também... Só imagino o quão essas madames devem estar suando por dentro de tanto tecido. Ah, gostaria de ressaltar também o odor bastante desagradável que importunou o meu olfato até sairmos de perto do porto, então se vieres mesmo ao fim do ano, como dissestes, traga uma máscara para poupar-lhe as vias nasais de fato.
Ao chegarmos ao Hotel Central, o Felipe Mascate, que esteve mais tempo comigo, convidou-me para irmos juntos ao Theatro da Paz assistir a um musical europeu. O teatro é realmente bonito, não esqueças de conhecer quando vieres. O musical foi interessante, porém cansativo. O que eu queria na verdade era dormir. Mas, ao sairmos o Felipe encontrou algumas pessoas conhecidas e influentes no Estado, como eu soubera depois. Eles escolheram ir para um bar ao lado, eu fui para o hotel... precisava realmente descansar. De manhã eu aproveitei e conheci a Arquidiocese de Belém e também a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, são obras realmente fascinantes e colossais.
Ah, Aninha, meu anjo, lembra daqueles amigos do qual te falei que tenho em Paraty? Pois sim, encontrei-os na semana passada. Eles me convidaram para ir ao cinema da cidade, aliás, o primeiro cinema do Brasil. Cinema Olympia se não estou enganado. É um cinema enorme e bonito, no entanto é intrigante a sua entrada pela frente, e ao entrar para sentar na poltrona todos os que estão sentados ficam olhando aos que entram dos pés à cabeça, me senti desconfortavelmente mal no começo, mas depois passou, deve ser um costume daqui. Na saída encontrei novamente o Felipe e ele me apresentou o escritor naturalista, advogado e jornalista Inglês de Sousa. Não me contive de tanta felicidade, conversamos por horas a fio e ele realmente tem uma mente brilhante. Ele me disse que estava só de passagem por Belém e que voltaria, no mais tardar, uma semana depois para o Rio de Janeiro. Convidei-o para irmos ao Hotel para tomarmos umas cervejas, ele topou na hora e passamos a madrugada conversando. Ele me contou de seu último romance e me disse também que acabara de virar Presidente do Instituto da Ordem dos Advogados. Deves conhecê-lo, Aninha.
Como já lhe disse, minhas experiências com a culinária local não foi das melhores. E advirto: Não experimente com muita sede ao pote. Comi tanto Vatapá (uma papa amarela feita com dendê e outros ingredientes) que tenho certeza que meu estômago reagiu mal ao excesso de dendê misturado com um tal Tacacá, que não é nada mais que um caldo chamado tucupí e umas folhas. O Tacacá, de praxe, tem que ser tomado quase fervido... isso deixa os lábios tremendo e dormentes, deve conter pimenta, sei lá.
Por fim, assim como estou ansioso de lhe rever, estou com vontades de ficar ainda bastante tempo por aqui – o povo é muito caloroso e receptivo –, é uma pena minhas pesquisas estarem acabando.
No mais, já sabes, apronte os pãezinhos de queijo que não demorarei muito. Muitas saudades de ti e de seus pais. Aguardo tua correspondência. Cuida-te.
Beijos carinhosos,
Álvaro R.B

P.S: Essa carta eu inscrevi no concurso de Literatura da AP, portanto se eu for desclassificado por ela ter sido publicada aqui no blog não tem importância, até porque eu acho que o concurso foi boicotado. Aqui no Pará houve apenas sessenta pseudônimos inscritos e isso é uma decepção para eles e para mim. Eu sabia que a maioria não tinha interesse, mas não tinha noção da, quase, desprezível minoria que se interessou. Enfim, de nada mais interessa. Está postado!

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