ELE É ELA OU HOMENAGEM A CHACAL

("Narciso", por Caravaggio)


Ele sonha. Ela acorda. Ele quer tê-la. Ela já o quis. Ele precisa dela pra viver. Ela nem tanto. Ele declara-se ocultamente. Ela desdenha, finge não perceber. Ele se chateia. Ela tira por menos. Ele faz-se difícil. Ela o ignora. Ele, então, se humilha. Ela ri. Ele faz-se fácil. Ela, difícil. Ele cansou. Ela sabia, era só fogo. Ele recompõe-se. Ela nunca perdeu a compostura. Ele se reanima, se arruma, se ajeita, se enfeita e vai pra caçada. Ela põe o baby-doll e vai deitar. Ele desfila, passa, repassa, cantarola, grita, dança. Ela ri, de novo, mas só quer estudar. Ele se vê com chance. Ela está animada. Ele dá-se pra ela. Ela não aceita. Ele já não tem orgulho. Ela o possui todo para si. Ele diz que a completa. Ela diz que já é completa.
(Ele é óleo de cozinha. Ela, azeite de oliva. Ele é pimenta malagueta. Ela, catchup levemente apimentado.)
Ele quer montanha russa. Ela, carrossel. Ele, então, aceita um pedalinho. Ela, agora, quer velocidade. Ele já não sabe o que fazer. Ela o tem na mão. Ele está cabisbaixo. Ela, de nariz empinado. Ele vai se esvaindo.  Ela tenta prendê-lo. Ele se solta, solto. Ela quer possuí-lo. Ele desencantou. Ela, então, fala de amor. Ele diz que já encontrou um novo. Ela chora. Ele não pode fazer nada. Ela se desespera, faz cartinha. Ele nem lê. Ela, então, pergunta a ele se ainda gosta dela. Ele mente, diz que não. Ela morre de ciúmes. Ele faz de propósito. Ela sabe disso. Ele sabe que ela sabe. Ela recobra-se aos poucos. Ele não crê. Ela se levanta, sacode a poeira. Ele ainda tá por cima. Ela vai ao shopping. Ele, ao bar. Ela compra lindas roupas. Ele anda molambo. Ela faz maquiagem, tratamento, depilação, repique, sobrancelha, buço e vai pra balada. Ele, de cabelo grande, ao bar com os amigos. Ela desfila, dança, sua, cansa, se embriaga e pega geral. Ele descobre. Ela descobre que ele descobre. Ele fica puto. Ela não deve satisfação. Ele, pois, foi tomá-la. Ela sentiu-se bem, linda. Ele, um fraco. Ela não liga. Ele liga. Ela atende todas as vezes. Ele quer estar bem. Ela quer vê-lo mal. Ele quer vê-la bem, mas consigo. Ela ainda quer o mal. Ele aceita o mal. Ela não aceita que ele aceite. Ele diz que merece isso. Ela diz que nem tanto. Ele diz que sim. Ela pede desculpas. Ele aceita, calado. Ela diz que nunca mais fará. Ele diz a mesma coisa. Ela diz que gosta dele. Ele diz que gosta dela. Eles sorriem. Eles se beijam. Eles se amam.

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"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura." (Charles Bukowski)