Eu, minha Vó e o Bê-Bê-Bosta-Brasil

Cheguei em casa por volta de umas dez e meia, estava cansado. Havia pelejado o dia inteiro e não tirei aquele cochilozinho gostoso da chuva da tarde. Tudo o que eu queria era tomar uma ducha, comer algo e capotar. Mas como eu vivo de imprevistos e meus planos nunca são exatamente como penso, abro a portão da frente de casa e já escuto em alto e bom som a voz do Pedro Bial:

– Agora vamos fazer uma retrospectiva de tudo o que aconteceu na casa mais vigiada do... – blá blá blá... continuou com aquele “show”.

Eu respirei fundo e já sabia que minha Vó estava na sala vendo a final do Big Brother Brasil com uma manga chupada nas mãos e um guardanapo de pano rendado em cima das pernas.

Abri a porta da sala e dito e feito.

– Boa noite, Vó.
– Boa noite, meu filho. Olha, ainda dá tempo de votar... Vote no Dourado pra mim por favor, quantas vezes der, viu?!
– Vó, eu sinto muito, mas não vou ligar aqui de casa pra...
– Não é pra ligar, é só ir lá na internet e clicar e pronto! Tá feito! Quantas vezes der, meu filho. Ele merece.

Ensaiei um riso de canto de boca e dei de ombros, abaixei a cabeça fui tomar meu banho. Tinha a resposta. Havia perdido minha Vó para as transmissões da globo. Lembrei rapidamente de uma frase de alguém que não lembro agora e que dizia que “a televisão só existe para não deixar que os outros conversem”. Então era isso. E aqueles cafunés pra eu pegar no sono, e as histórias de quando ela era criança, e os nomes das coisas antigas que eu nunca ouvira falar. Não. Agora ela só fala das piadas da Ana Maria Braga e das polêmicas desse reality show.

Voltei à sala, com dois pães passados na manteiga e um achocolatado. Sentei no sofá e voltei a ouvir as balelas sensacionalista que o apresentador fala quase todo dia. Fitei a minha Vó e no mesmo instante perguntei à ela:

– Vó, a sra. já ouviu falar do mito da caverna?
– Ih, meu filho. Lá vem você com essas história... Outro dia foi aquele tal daquele documentário que eu não entendi nada. – respondeu sem nem me olhar.

Ri de novo. Não adiantava explicar, ela estava conformada com o que sabia e com o que aprendera a vida toda. Passara por muita dificuldade e essa era forma de lazer que ela encontrava sem sair de casa. Tudo bem. Voltei a pensar comigo, relembrei o mito da caverna, as aulas de jornalismo, a manipulação, a massificação, a corrupção, a complacência das pessoas, o conformismo, e o silêncio dos sábios. Estamos em tempos difíceis. Com tanta tragédia acontecendo. Com tanto egoísmo. Enquanto pessoas ainda morrem de fome todos os dias, o Sr. Bill Gates está pensando numa nova logística para o seu novo sistema operacional. Enquanto a guerra civil mata milhares por dia, o bilionário Eike Batista só pensa em ser o primeiro da lista de mais ricos da revista Forbes.

“Não! Eu preciso salvar a minha Vó”, pensei por um segundo.

“Mas ela não tem mais salvação”, me conformei no outro segundo.

Então vamos pensar cá entre nós. Se você não questionar-se em momento algum de sua vida, será mais um em meio a milhões. Goethe disse que “ler é a arte de desfazer nós cegos”. E ele está certo. Mas se é mais fácil e mais cômodo ficar em frente a televisão vendo um programa que não tem outro intuito a não ser ganhar dinheiro e Ibope, é porque alguma coisa está errada. Se você vibra com as baixarias propostas pelo brutality show e ainda por cima acha interessante ficar observando vinte e quatro horas um grupo de pessoas que é tão interessante quanto ficar num zoológico observando os macacos fazendo trapalhadas, é porque muita coisa está errada. Logo nós, brasileiros, que já sofremos tanto com os problemas corriqueiros de educação, ainda temos que nos abster a um programa de gosto banal?

Isso só serve para atrofiar mais a nossa mente, que já não pensa direito. Mas isso lhes é muito conveniente, pois um povo burro é fácil de ser manipulado. E é isso que eles querem. Em vez de nos transmitir um programa que nos force a pensar, a querer algo melhor, eles nos presenteiam com uma armadilha.

Povo herói e guerreiro é o trabalhador desse país, que dá duro todo dia para ganhar um salário indecente e sustentar a família toda. Não são os boys e as girls que lá estão para se mostrarem.

Eu tô cansado dessa alienação. A cada vez mais não suporto a televisão. Quanto mais procuro, questiono, mais pútrida me parecem essas emissoras.

Tudo é forjado, pensado. As novelas são a maior prova disso: tudo feito em base de pesquisas para satisfazer a ignorância dos telespectadores. Tudo isso é pra ludibriar esse povo sofrido.

Outro dia mesmo, quando eu estava tentando mexer no twitter, vi um tweet do Tico Sta. Cruz: “Força Dourado VC Consegue!!!”. Depois parei e analisei, li um texto que ele escreveu num suposto blog e que indicou a todos no twitter. Quando vi o domínio “globo.com” já sabia do que se tratava: business. Mas logo o Tico, que me fazia cantar e gritar com as veias da garganta quase explodindo: “(...) O cara é ladrão de gravata, só vive atrás de mamata, achando que aqui tem babaca!!!” É. Nessa época eu era inocente. Não tinha noção da capacidade que o dinheiro tinha para mudar as pessoas. Hoje, o Tico se vendeu, e para mim não passa de um demagogo antológico, com o perdão da palavra, claro!

Enfim, o que eu queria que a minha Vó e os demais entendessem é que nós estamos sendo enganados e parece que gostamos disso. Não compre o pay-per-view e antes ver televisão procure um livro para ler. Isso vai ajudar muito mais na sua formação como um cidadão.

“A televisão me deixou burro, muito burro demais. Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais (...)” (Titãs - Televisão)

E abaixo, peço a permissão e os devidos direitos autorais ao Senhor Antonio Barreto, Cordelista natural de Santa Bárbara-BA, residente em Salvador para reproduzir um fantástico texto.

Big Brother Brasil
   
   Curtir o Pedro Bial
    E sentir tanta alegria
    É sinal de que você
    O mau-gosto aprecia
    Dá valor ao que é banal
    É preguiçoso mental
    E adora baixaria.

    Há muito tempo não vejo
    Um programa tão ‘fuleiro’
    Produzido pela Globo
    Visando Ibope e dinheiro
    Que além de alienar
    Vai por certo atrofiar
    A mente do brasileiro.

    Me refiro ao brasileiro
    Que está em formação
    E precisa evoluir
    Através da Educação
    Mas se torna um refém
    Iletrado, "zé-ninguém"
    Um escravo da ilusão.

    Em frente à televisão
    Lá está toda a família
    Longe da realidade
    Onde a bobagem fervilha
    Não sabendo essa gente
    Desprovida e inocente
    Desta enorme "armadilha".


    Cuidado, Pedro Bial
    Chega de esculhambação
    Respeite o trabalhador
    Dessa sofrida Nação
    Deixe de chamar de heróis
    Essas girls e esses boys
    Que têm cara de bundão.

    O seu pai e a sua mãe,
    Querido Pedro Bial,
    São verdadeiros heróis
    E merecem nosso aval
    Pois tiveram que lutar
    Pra manter e te educar
    Com esforço especial.

    Muitos já se sentem mal
    Com seu discurso vazio.
    Pessoas inteligentes
    Se enchem de calafrio
    Porque quando você fala
    A sua palavra é bala
    A ferir o nosso brio.

    Um país como Brasil
    Carente de educação
    Precisa de gente grande
    Para dar boa lição
    Mas você na rede Globo
    Faz esse papel de bobo
    Enganando a Nação.

    Respeite, Pedro Bial
    Nosso povo brasileiro
    Que acorda de madrugada
    E trabalha o dia inteiro
    Dar muito duro, anda rouco
    Paga impostos, ganha pouco:
    Povo HERÓI, povo guerreiro.

    Enquanto a sociedade
    Neste momento atual
    Se preocupa com a crise
    Econômica e social
    Você precisa entender
    Que queremos aprender
    Algo sério – não banal.


    Esse programa da Globo
    Vem nos mostrar sem engano
    Que tudo que ali ocorre
    Parece um zoológico humano
    Onde impera a esperteza
    A malandragem, a baixeza:
    Um cenário sub-humano.

    A moral e a inteligência
    Não são mais valorizadas.
    Os “heróis” protagonizam
    Um mundo de palhaçadas
    Sem critério e sem ética
    Em que vaidade e estética
    São muito mais que louvadas.

    Não se vê força poética
    Nem projeto educativo.
    Um mar de vulgaridade
    Já tornou-se imperativo.
    O que se vê realmente
    É um programa deprimente
    Sem nenhum objetivo.

    Talvez haja objetivo
    “professor”, Pedro Bial
    O que vocês tão querendo
    É injetar o banal
    Deseducando o Brasil
    Nesse Big Brother vil
    De lavagem cerebral.

    Isso é um desserviço
    Mal exemplo à juventude
    Que precisa de esperança
    Educação e atitude
    Porém a mediocridade
    Unida à banalidade
    Faz com que ninguém estude.

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"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura." (Charles Bukowski)